Eu já havia me emocionado com a performance de Sarah Kay e Phil Kaye para ‘When Love Arrives‘ quando a versão em português de Rayssa Bratillieri e Anthony Garcia me levou aos prantos. Pode ter sido a familiaridade maior com o idioma nativo. Mas certamente a fragilidade do segundo momento contou pontos — eu tinha acabado de ser devida e dolorosamente desligado da empresa à qual me dedicava havia três anos.
É um poema sobre o amor. Mas, noutro plano metafórico, enfatiza a finitude dos ciclos. Neste sentido, talvez acrescente pouco ao que Tom Jobim e Vinicius de Moraes oferecem com ‘A Felicidade‘, ou mesmo ao que Lulu Santos nos presenteia com ‘Como Uma Onda‘. Estão lá: a tristeza como um alicerce resistente; a felicidade como um frágil telhado de vidro que se despedaça à primeira pedrada; e a vida como uma sequência de ondas que vêm e vão. Mas Kay e Kaye — falando assim, pareço íntimo, mas nada sei deles além do que o ChatGPT me explicou há pouco — vão além, e propõem uma resposta às tais adversidades. No caso, a gratidão pelos bons momentos que as antecedem.
Por mais cafona que possa parecer, as lágrimas jorraram nesse cair de ficha. Porque eu sempre tive problemas com finais. Como um típico ser humano, almejava a eternidade, e sofri cada vez que a realidade me provou ser aquele um objetivo impossível. Mas como teria sido a vida se, em vez de ao martírio e à indignação, eu me dedicasse a celebrar o capítulo que se concluía? Ou ao menos a aceitar que a conclusão implicava necessariamente no início de um novo?
No exercício quase diário de refletir sobre minhas dores, eu venho conseguindo me sentir grato por, por 9 anos de minha vida, ter tido o melhor pai do mundo; por ter visto Telê Santana dar a volta por cima à frente do SPFC; por ter visto o tricampeonato de Ayrton Senna; por ter vibrado com uma seleção brasileira de futebol vencedora; por ter acompanhado o auge de Cazuza, Renato Russo, Chico Science, Cássia Éller, Philip Seymour Hoffman e Amy Winehouse; por ter amado todas as mulheres que amei; por ter dividido um par de lares com um par delas; eu me sinto grato por todas as vezes que subi num palco com as bandas às quais integrei; por todas as vezes que estive com amigos em mesas de bares até que garçons nos alertassem que a casa estava por fechar; pelos 12 anos que morei em São Paulo; e por todos os empregos aos quais me dediquei de coração, por mais que dois deles tenham chegado a finais turbulentos.
Quis uma ironia do destino que, em meio a mais uma turbulência, eu retornasse aos palcos para cantar Roda Viva, de Chico Buarque. Logo eu, que buscava ter voz ativa e mandar no próprio destino, mas de repente estanquei e me senti como quem partira ou morrera.
A iluminação na Casa da Ribeira encandeava, mas foi possível conferir do palco que Rogério Ferraz, um dos diretores do espetáculo, vibrava ao longe com a nossa performance. Para minha surpresa, eu ainda estava vivo. E os aplausos que se seguiram confirmariam a suspeita.
A recisão não me permitiu tirar um ano sabático como alguns afortunados se permitem. Mas me possibilitou cinco meses de dedicação exclusiva a mim, o que é um privilégio dos grandes, e suficiente para traçar planos com mais clareza. Agora é executá-los. Um novo capítulo se inicia.
Roda, mundo. Roda, gigante.
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